quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Amor de ônibus

Você entra no ônibus, e assim, meio sem querer, acaba pousando o olhar em alguém que te cativa. Pode ser pelo jeito de olhar, pelo sorriso, pela gentileza quando você estava tentando passar no corredor minúsculo e lotado com uma bagagem enorme, ou pode ser pela aparência mesmo, afinal, que atire a primeira pedra quem nunca se rendeu a um rostinho bonito. Você subitamente cai de amores, e naqueles minutos enquanto o ônibus vai dobrando avenidas e você tenta se segurar, você se pega lançando olhares tímidos enquanto sua mente imagina sua vida inteira ao lado daquele desconhecido de quem sequer o nome você sabe. Às vezes, até rola uma troca de sorrisos e um diálogo experimental iniciado com o típico "Tá quente hoje, né?". E então, rápido demais para o seu contentamento, sua parada chega, você desce e nunca mais encontra o par romântico do seu roteiro de amor escrito em movimento.

A gente não sabe, mas nossa vida inteira é uma constante troca de ônibus. E de amores de ônibus.

A gente encontra um amor de ônibus na balada, numa tarde despretensiosa no shopping, num site de relacionamento que a gente nem lembrava mais que acessava... E depois de um tempo de conversa, de um pouco de debates sobre religião, política, futebol ou sobre coisas mais banais como o quanto a pronúncia do inglês é mais bonita na Inglaterra ou como Scorsese é melhor que Tarantino, a gente vê que se apaixonou. Vem o sorriso bobo com cada "bom dia" recebido já nas primeiras horas da manhã, e a sensação de incompletude se o "bom dia" não vem. Vem aquele frio no estômago com a declaração inesperada, e o medo de se declarar de volta. Você ri, chora, se desespera, se decepciona, morre de amor em um segundo, e no outro percebe que já planejou até a escola onde os filhos de vocês vão estudar e a comemoração das suas bodas de prata! E parece mesmo que vai ser eterno, que vai ser pra sempre.

E então sua parada chega e você lembra que tem que descer.

Você olha pro lado, dá aquela olhadinha meio insegura pro amor da sua vida, e assim, meio hesitante, meio chateada por precisar descer tão rápido, você vai embora. Com aquele aperto no peito e aquela dúvida no olhar, você olha pra trás, e então começa a perceber que, no fim das contas, nem era tudo aquilo que você sonhava, que nem poderia realizar metade das coisas que sonhava porque era tudo impossível demais, perfeito demais para um mundo de pessoas imperfeitas. No fim, até os sonhos eram imperfeitos. Você se pergunta se todos os "te amo" gastos ali não foram em vão, e se arrepende por ter dito uma frase tão forte em uma viagem que, agora você lembra, é passageira.

Mas depois de pensar, você percebe que não foi em vão. Intenso e exagerado, talvez, mas afinal, você precisava pegar aquele ônibus, você precisava chegar ao seu destino, e às vezes, a aventura cai bem pra tornar o trajeto menos rotineiro. Qual seria a graça se a viagem fosse sempre igual? Um pouco de reviravoltas, freadas bruscas e curvas perigosas, mesmo que nos confundam, nos desalinhem e às vezes até nos partam em centenas de pedaços, é necessário pra nos ajudar nessa vida que é uma eterna troca de estações.

E no fim das contas, você sabe que, cedo ou tarde, vai precisar pegar outro ônibus.

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